segunda-feira, 12 de abril de 2021

Cancelamento virtual: como essa atitude pode afetar a saúde mental

Gabriela Pugliese, Mc Gui, JK Rowling, Paola Carosella... O que eles têm em comum? Todos foram cancelados alguma vez pela internet

Raphaella Leandro

Fonte: uol.com.br/vivabem

Em: 17.08.20

A pauta nunca esteve tão em alta quando o assunto é boicotar determinada pessoa por ela ter sido mal interpretada ou feito ou dito algo ruim diante das redes sociais. E isso não acontece apenas com famosos: pessoas anônimas também podem ter a vida prejudicada devido ao cancelamento. Basta alguém apertar o botão publicar, esperar alguns segundos e a vida de outra pessoa poderá ser comprometida por meses e até anos.

A cultura do cancelamento, principalmente na internet, tem a ver com a intolerância e a incapacidade de lidar com o diverso e de ser confrontado. "A pessoa avalia, julga e critica diante de um contexto isolado e, a partir daí, cria-se uma imagem completa daquele episódio", explica Stanley Rodrigues, psicólogo da BP - A Beneficiência Portuguesa de São Paulo.


Ilustração sobre a cultura do cancelamento
Imagem: noticias.adventistas.org


"Passada de pano"?

 Diante do debate, há quem defenda que pessoas que postem coisas consideradas erradas mereçam, sim, ser canceladas e nunca mais voltarem a ter espaço na internet. Mas será que cabe a nós esse tipo de juízo? A resposta é não. Claro que se uma pessoa fizer uma postagem ofensiva com cunho racista, por exemplo, não devemos achar que é normal ou que está tudo bem, mas cabe à justiça fazer o papel dela. "A discussão jurídica nas mídias sociais ainda é muito recente. Por isso muitas vezes não dá tempo de acompanhar determinado fato, ocorre tudo muito rápido", reforça Rodrigo Martins Leite, psiquiatra do Instituto de Psiquiatria da USP (Universidade de São Paulo). Mas, segundo o especialista, deve-se criar e pensar em políticas públicas eficientes sobre o tema. Posts ofensivos podem ser denunciados para as próprias plataformas, além de delegacias que cuidam de crimes digitais. "Quem nunca errou, que fale algo. Não devemos fazer justiça com as próprias mãos, nem sair propagando o ódio por aí", afirma Rodrigues. Além disso, é saudável debater e problematizar o que as pessoas dizem: mas por que não lhes dar uma chance de aprender com esse erro, antes de boicotá-las online

Debate x linchamento social

Segundo os especialistas, a palavra diante de tudo isso é reflexão. Será que vale a expor determinada pessoa para obter uma sensação de prazer ou sentimento de justiceiro ou de dever cumprido? "Esses cancelamentos são com figuras tão distantes, então que pelo menos sirva de uma reflexão para si, se colocar no lugar do outro para determinadas situações", reforça Ana Suy Sesarino Kuss, psicóloga e professora do curso de Psicologia da PUCPR (Pontifícia Universidade Católica do Paraná). 

O que tem acontecido frequentemente vai além do debate, se tornou um linchamento virtual e até uma espécie de cyberbullying nas redes sociais. Não é porque a pessoa é famosa, que dá direito a ser massacrada, sofrer xingamentos e julgamentos alheios. Rodrigues reforça que esse tipo atitude não tem a ver somente com a divergência de opiniões, mas sim com a violência e agressão verbal no mundo virtual. "Tem pessoa que se intitula hater, que está ali justamente para provocar, causar situações polêmicas. Ela alcança milhares de pessoas e se favorece diante de algo negativo", afirma. 

Foi o caso da influencer Alinne Araújo, que foi abandonada pelo noivo um dia antes do casamento e, para não perder a festa, resolveu se casar com ela mesma. Resultado: haters e alguns seguidores não a perdoaram e disseram que ela queria se promover, chamar atenção. Os ataques foram diversos e, depois de alguns dias, ela cometeu suicídio. 


Influencer Alinne Araújo no dia de seu casamento
Imagem: leianoticias.com.br

Um outro caso recente ocorreu nos Estado Unidos, onde um homem foi "cancelado" e acusado de fazer um sinal usado por supremacistas brancos. Ele não teve muito tempo para se defender ou tentar entender aquela situação. Uma pessoa jogou o nome da empresa dele nas redes, o que fez com que o americano perdesse o emprego e fosse ignorado pelos antigos chefes. No final foi comprovado que ele só estava estalando os dedos e o que o sinal era muito semelhante ao de "ok". Hoje, ele faz acompanhamento constante com psicólogos e não tem uma vida normal.

"Virou uma guerra virtual", afirma Leite. O especialista reforça que o melhor nesses casos, é conscientizar. "Se for uma pessoa próxima tente mostrar que o que ela fez não foi legal, não foi benéfico, soou errado. Se for uma pessoa pública, não precisa ficar repostando tudo que ela fez de errado", reforça.

Saúde mental abalada

Os constantes xingamentos e exposições típicos da cultura do cancelamento podem gerar problemas físicos e principalmente emocionais. Há pessoas que terão marcas pelo resto da vida e dificilmente terão uma rotina normal. O que acontece muitas vezes é uma reclusão, tristeza, ansiedade e até depressão. "A pessoa pode até perceber que errou e reconhecer isso, mas nunca mais será a mesma e terá que sempre se policiar em relações às suas atitudes, gerando ainda mais sintomas de ansiedade", afirma Rodrigues.

Ilustração referente a saúde mental
Imagem: santosbancarios.com.br

Nesses casos, será necessário um acompanhamento com médicos e psicólogos que vão estabelecer um melhor caminho e tratamento para cada indivíduo. Para algumas pessoas, o tratamento terá que ser à base de remédios, além de consultas periódicas com psicoterapeutas. Já em situações extremas, a volta para a rede social pode ser quase impossível.


Cancelamento na web é a nova moda do momento

Especialista afirma que os danos causados às pessoas públicas são de difícil ou impossível reparação

Raphaella Leandro

Fonte: odia.ig.com.br

Em: 01.03.21

Com o crescimento do alcance da internet, o sucesso dos reality shows e o advento das redes sociais, que são muitas, uma nova moda chegou: a do cancelamento virtual. Artistas, celebridades e qualquer pessoa pública são julgados por seus atos e acabam perdendo seguidores, contratos, trabalhos e dinheiro.

"Toda pessoa pública está mais suscetível a ataques em redes sociais, não só devido ao fato de o agressor poder projetar um maior número de seguidores a seu favor por capitanear esses ataques, mas também pelo grau de exposição que gera tamanha curiosidade aos demais cidadãos. O movimento de cancelamento é sempre um julgamento sem regras, baseado em opiniões iniciais e singulares. No cancelamento virtual, um tribunal é montado, sem que haja a incidência de princípios básicos garantistas que estão assegurados no nosso Estado Democrático de Direito", explica o advogado e presidente da comissão de liberdade de expressão da Associação Nacional da Advocacia Criminal (ANACRIM-RJ), José Estevam Macedo Lima, morador da Barra da Tijuca.

Segundo o especialista, entre os direitos não respeitados pelos "juízes" da internet estão: ampla defesa, o contraditório, a presunção de inocência e o devido processo legal. Por isso, não asseguram um julgamento imparcial e justo, sendo abominável em nosso ordenamento jurídico. 


Banner ilustrativo sobre cancelamento na internet
Imagem: agendartecultura.com.br

"Opiniões, críticas, conselhos, divulgação de fatos e fofocas não podem ser considerados escudo para atingir diretamente a honra objetiva ou subjetiva de uma pessoa, seja ela pública ou não. Qualquer ato que venha atingir a honra está suscetível de responsabilidade criminal e cível, ou seja, se sua opinião divulgada em uma rede social violar a imagem, a vida privada, a honra ou a dignidade de outrem, esse ato está suscetível de responsabilização civil, devendo o ofensor ser condenado ao pagamento de indenização, à título de dano moral, dano material ou lucros cessantes", afirma ele.

"Um exemplo que pode ser dado é: caso um jogador de futebol tenha seu contrato rescindido por um clube ou tenha um contrato de uma campanha publicitária prejudicado pelo movimento de cancelamento na internet, as pessoas que participaram desse movimento estão sujeitas, além da responsabilidade criminal, à responsabilização civil com uma possível condenação de um pagamento de indenização como forma de ressarcimento de danos materiais, lucros cessantes e dano moral. Por isso, o jogador de futebol, tal como o artista, necessita de um controle maior em suas redes sociais, para evitar ataques de terceiros", completa o advogado.

Lima afirma, ainda, que os danos causados por esse tipo de comportamento na web são de difícil ou impossível reparação, devendo ser imediatamente repelidos pelas autoridades públicas, através da concessão de medidas de urgência, em caráter liminar, seja na esfera cível como na criminal. "O movimento do cancelamento de pessoas públicas deve ser repudiado e extirpado do mundo virtual, devendo ser considerado como prática abusiva e cruel", finaliza ele.

Vencedora da 12ª edição do reality A Fazenda, a cantora Jojo Todynho, moradora da Taquara, na zona oeste do Rio, também não concorda com o cancelamento virtual.

"Vivemos num mundo onde todos têm direito de opinar sobre qualquer assunto, mas temos que saber respeitar o próximo. Quando alguém tem uma atitude que eu não concordo, eu me afasto, dou 'unfollow' (deixar de seguir), mantenho distância, mas não acho legal ficar propagando ódio pela pessoa. Tudo que acontece na nossa vida respinga em quem está por trás, como família, amigos e essas pessoas acabam sofrendo com as consequências desses ataques. Eu não ligo para o que as pessoas estão falando, mas tenho consciência de quem está a minha volta", declara.

Recentemente, dois participantes do BBB21, a cantora Karol Conká e o comediante Nego Di, foram cancelados pelos fãs do programa, após comportamentos dentro da casa considerados errados.


Nego Di; comediante e ex participante do BBB 21
Imagem: otempo.com.br

Karol Conká; cantora, apresentadora e ex participante do BBB 21
Imagemotempo.com.br

"O caso do Nego Di, por exemplo, teve os erros no programa, mas desde o momento que começam atacar a família dele, eu não concordo. O erro foi dele e ele que precisa entender onde falhou e procurar mudar, a família não tem nada a ver com isso. Mas isso acontece muito porque muitas pessoas públicas mostram ser uma coisa que não são e julgam outras pessoas", analisa a funkeira.


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